A ventilação mecânica é uma componente vital da medicina moderna, especialmente nas unidades de cuidados intensivos, onde suporta a vida de pacientes incapazes de respirar de forma autônoma devido a condições graves como a COVID-19. Compreender os parâmetros iniciais, os ajustes necessários durante o tratamento e as estratégias específicas para doenças particulares pode ser um desafio para profissionais de saúde.
Este artigo pretende introduzir os principais conceitos sobre ventilação mecânica, incluindo sua aplicação, os principais parâmetros definidos para fornecê-la, e até o processo de desmame ventilatório, empregado para encerrar a ventilação invasiva.
Caso se interesse mais pelo tema, não deixe de conferir a vídeo da aula completa: Ventilação Mecânica do Zero: Parâmetros, Admissão e Ajustes | Aula de Pneumologia. Caso queira se aprofundar em seus estudos e aprender como tais tópicos são cobrados pela residência médica, não deixe de conferir os cursos fornecidos pelo Estratégia MED.
O que você vai ler neste artigo
Introdução à Ventilação Mecânica e importância na prática clínica
A Ventilação Mecânica (VM) é um recurso terapêutico de vital importância na medicina moderna, especialmente em unidades de terapia intensiva (UTI), onde pacientes com falência respiratória aguda necessitam de assistência para realizar uma função primordial: a troca gasosa. Este método de suporte respiratório tornou-se uma ferramenta essencial na prática clínica, não apenas por salvar vidas mas por permitir uma melhor gestão da função pulmonar durante períodos críticos de doenças variadas, indo de complicações pós-operatórias a quadros infecciosos severos, como os observados em pacientes com COVID-19.
O conceito por trás da ventilação mecânica é relativamente simples: fazer uso de um aparelho (ventilador mecânico) para auxiliar ou substituir a respiração espontânea do paciente. No entanto, a aplicação prática desse conceito envolve uma complexidade considerável, dada a necessidade de ajustar o ventilador para atender às necessidades específicas de cada indivíduo, levando-se em conta qual a doença subjacente, e garantir a troca gasosa adequada, minimizando ao mesmo tempo os riscos associados a este procedimento.
A ventilação mecânica pode ser aplicada de maneira invasiva, por meio de uma cânula traqueal inserida após intubação, ou de forma não invasiva, utilizando máscaras que se adaptam ao rosto do paciente. Ambas as modalidades têm suas indicações, vantagens e desvantagens, sendo a seleção baseada na condição clínica do paciente, severidade da insuficiência respiratória, e nos objetivos terapêuticos a curto e longo prazo.
Observe a imagem demonstrativa dos componentes do tubo orotraqueal, presente no livro digital de Pneumologia Intensiva do Extensivo do Estratégia MED. Trata-se do dispositivo mais comumente utilizado para ventilação invasiva.
Diferente da ventilação invasiva, na ventilação não-invasiva são utilizados dispositivos como máscaras, que, ao fornecerem pressão positiva, auxiliam o trabalho respiratório do paciente, sem controlá-lo de modo mais invasivo – observe a ilustração interface utilizada com tal finalidade, presente no livro digital de Pneumologia Intensiva do Extensivo do Estratégia MED.
Além disso, a ventilação mecânica permite que os pulmões lesionados tenham tempo para cicatrizar, reduzindo a carga de trabalho respiratório e melhorando a distribuição de oxigênio para os tecidos. Durante este período de suporte ventilatório, uma equipe multidisciplinar incluindo médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e nutricionistas trabalha incansavelmente para otimizar a recuperação do paciente, abordando não apenas a insuficiência respiratória mas também as demais condições subjacentes e complicações decorrentes da doença de base ou do próprio uso da ventilação mecânica.
Desafios e considerações
A implementação da ventilação mecânica não está livre de desafios. A escolha dos parâmetros ventilatórios adequados, à prevenção de lesões associadas à pressão do ventilador e o manejo de complicações como a pneumonia associada à ventilação mecânica são apenas algumas das questões que exigem atenção e expertise da equipe clínica. Além disso, o desmame ventilatório, ou seja, o processo de retirada progressiva do suporte ventilatório, é uma fase crítica que requer avaliação cuidadosa e planejamento meticuloso para garantir que o paciente possa retomar satisfatoriamente a sua respiração espontânea.
Diante da complexidade e da importância da ventilação mecânica na prática clínica, a educação continuada e a atualização profissional se mostram fundamentais. Programas de treinamento e simulações são recursos indispensáveis para o desenvolvimento de habilidades
Parâmetros iniciais e ajustes na ventilação mecânica invasiva
Quando um paciente requer ventilação mecânica, uma série de decisões críticas deve ser tomada para garantir a eficácia do tratamento e a segurança do paciente. Os parâmetros iniciais e ajustes subsequentes na ventilação mecânica são essenciais para otimizar a oxigenação e a eliminação de CO2, além de minimizar os riscos associados à ventilação artificial. Neste tópico, vamos abordar os principais aspectos desses parâmetros e ajustes, destacando a sua importância na prática clínica.
Compreendendo os parâmetros iniciais
Os ventiladores mecânicos consistem, basicamente, em dispositivos geradores de fluxo, que visam a fornecer um fluxo de ar com diferentes pressões, volumes e porcentagens de oxigênio, de modo a melhor auxiliar os pacientes em situação de insuficiência respiratória.
O ponto de partida na ventilação mecânica é a definição dos parâmetros iniciais. Estes incluem os modos de ventilação, a fração inspirada de oxigênio (FiO2), o volume corrente (VC), a frequência respiratória (FR) e a pressão positiva no final da expiração (PEEP). Cada um destes parâmetros desempenha um papel vital na gestão da ventilação do paciente.
- Modos de Ventilação: Os modos ventilatórios, como volume-controlado (VCV) e pressão-controlado (PCV), determinam como o suporte ventilatório é fornecido. A escolha entre eles deve considerar a condição clínica do paciente e os objetivos específicos da ventilação.
- No modo VCV, o volume corrente (o gás circulado durante um ciclo respiratório) escolhido definirá quando ocorrerá a ciclagem (a passagem da inspiração à expiração) do paciente; assim, as pressões atingidas serão variáveis
- No modo PCV, diferentemente, o médico regulará a pressão de pico e o tempo de inspiração fornecidos; assim, o volume fornecido será variável.
Cabe observar que os ensaios clínicos não observaram diferença de mortalidade e de tempo de ventilação mecânica em relação às duas modalidades; assim, recomenda-se que o médico utilize aquela à qual esteja mais familiarizado.
- FiO2: Trata-se da fração inspirada de oxigênio, ou seja, da porcentagem de oxigênio fornecida no fluxo de ar aportado ao paciente pelo ventilador. Nesse ponto, é importante começar com um nível que garanta saturação de oxigênio (SpO2) dentro dos limites aceitáveis, ajustando conforme necessário para evitar tanto a hipoxemia quanto a toxicidade por oxigênio – usualmente, logo após o início da ventilação, define-se FiO2 mais alta e, após cerca de 1h, coleta-se uma gasometria arterial, cuja análise permite ajustar tal parâmetro.
- Volume Corrente e Frequência Respiratória: Esses parâmetros ajustam a ventilação alveolar, influenciando diretamente a eliminação de CO2. Um equilíbrio cuidadoso é necessário para evitar a ventilação insuficiente ou excessiva, ambas com consequências potencialmente perigosas.
- O volume corrente ideal para cada paciente é inicialmente calculado de acordo com seu peso predito, inicialmente com 6ml/kg; a seguir, deve ser ajustado de acordo com a doença de base e as alterações gasométricas apresentadas por ele.
- A frequência respiratória definida, multiplicada pelo volume-corrente fornecido, resulta no Volume-Minuto, que se trata do volume de gás mobilizado durante um minuto. Os ajustes da frequência respiratória e, por conseguinte, do volume-minuto, são realizados, na maioria dos casos, com base na pressão arterial de CO2 do paciente.
- PEEP: Trata-se da pressão positiva ao final da expiração, utilizada para prevenir o colapso alveolar em tal etapa do ciclo respiratório. A PEEP deve ser ajustada para melhorar a oxigenação, à medidas que se procura manter os efeitos colaterais, como o aumento da pressão intratorácica, ao mínimo.
Ademais de tais parâmetros, o cuidado dos pacientes sob ventilação mecânica invasiva requer o domínio de diversos outros conceitos mais aprofundados, como Pressão de Pico, Pressão de Platô, Driving Pressure. Para se aprofundar no tema, confira a aula Ventilação Mecânica DO ZERO do Estratégia MED, e os vídeos e livros digitais presentes no curso de Pneumologia, do Extensivo do Estratégia MED.
Fazendo ajustes precisos
À medida que a condição clínica do paciente evolui, ajustes nos parâmetros de ventilação são frequentemente necessários. Estes ajustes são guiados por avaliações clínicas e por resultados de exames, como gasometrias arteriais. Por exemplo, uma elevada pressão arterial de CO2 (PaCO2) pode indicar a necessidade de aumentar o volume corrente ou a frequência respiratória, enquanto uma baixa PaCO2 pode sugerir o oposto.
Adicionalmente, a monitorização da mecânica pulmonar e da interação paciente-ventilador é fundamental para identificar a necessidade de ajustes. Por exemplo, sinais de luta contra o ventilador podem requerer modificações no modo de ventilação ou nos níveis de sedação. Da mesma forma, o desenvolvimento de condições como a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) pode exigir estratégias de ventilação protetora pulmonar, incluindo o uso de volumes correntes mais baixos e níveis mais elevados de PEEP.
Ventilação mecânica na COVID-19 e estratégias específicas
A pandemia de COVID-19, causada pelo SARS-CoV-2, emergiu como um desafio sem precedentes para a medicina contemporânea, sobretudo no que tange ao manejo de casos graves, caracterizados frequentemente por insuficiência respiratória aguda severa. Nesse contexto, a ventilação mecânica (VM) assumiu papel central como recurso terapêutico vital, demandando dos profissionais de saúde conhecimento aprofundado sobre suas especificidades em pacientes afetados pelo novo coronavírus.
Uma característica distintiva da COVID-19, comparada a outras pneumonias virais, é a rapidez com que alguns pacientes evoluem para quadros de insuficiência respiratória hipoxêmica aguda, frequentemente acompanhada por uma síndrome de angústia respiratória aguda (SARA). Isso exige uma abordagem diferenciada quanto à VM, englobando desde os parâmetros iniciais de ventilação até as estratégias de desmame.
Estratégias de Ventilação Mecânica na COVID-19
Ao contrário do que se poderia supor, a ventilação mecânica em pacientes com COVID-19 não difere radicalmente dos protocolos usados para outras causas de SARA. Porém, algumas considerações específicas são necessárias:
- Parâmetros ventilatórios iniciais: O ajuste inicial dos parâmetros ventilatórios deve visar à manutenção de uma oxigenação adequada e à proteção pulmonar, minimizando o risco de lesões associadas à ventilação, conhecidas como lesão pulmonar induzida pela ventilação (VILI). Comumente, adota-se uma estratégia de baixo volume corrente (6 ml/kg de peso predito) e pressão de platô inferior a 30 cmH₂O.
- Otimização da oxigenação: Em casos de hipoxemia refratária, estratégias adicionais como a manipulação da relação inspiração/expiração, uso de altas concentrações de oxigênio (FiO2) e manobras de recrutamento alveolar podem ser necessárias.
- Posição prona: A terapia de posicionamento prona, isto é, colocar o paciente com o abdômen voltado para baixo, tem se mostrado eficaz em melhorar a oxigenação em casos severos de COVID-19. Esta intervenção, embora desafiadora, é recomendada para pacientes com SARA severa, sendo realizada por períodos prolongados (12 a 16 horas por dia).
- Monitoramento contínuo e ajustes dinâmicos: O manejo de pacientes COVID-19 sob VM é um processo dinâmico. A avaliação contínua dos parâmetros ventilatórios e da condição clínica do paciente é fundamental para orientar ajustes oportunos nos modos e parâmetros de ventilação, visando sempre a maximização da oxigenação e minimização do dano pulmonar.
- Desmame ventilatório: O processo de desmame deve ser considerado assim que o paciente apresentar melhora clínica e funcional respiratória. As estratégias de desmame incluem a redução progressiva do suporte ventilatório e o teste de respiração espontânea (TRE). Esta etapa é crítica e deve ser conduzida com cautela, dada a possibilidade de falhas no desmame e necessidade de reintubação, o que está associado a piores desfechos.
Estratégias de desmame ventilatório e critérios para sucesso
Tão crucial quanto iniciar a ventilação, é saber o momento e a maneira certa de realizar o desmame ventilatório, ou seja, o processo de retirada da ventilação mecânica, a fim de restabelecer a independência respiratória do paciente. Este processo demanda técnica, experiência e um sólido entendimento dos critérios que definem sua viabilidade e sucesso.
Iniciar o processo de desmame requer uma avaliação meticulosa do estado clínico do paciente. Critérios como a estabilidade hemodinâmica, a capacidade de oxigenação adequada e a força muscular respiratória são essenciais. Adicionalmente, é fundamental que a causa subjacente que levou à necessidade de ventilação mecânica tenha sido suficientemente resolvida ou esteja controlada.
Fases do desmame ventilatório
O desmame geralmente é realizado em fases, iniciando com a redução progressiva do suporte ventilatório. Antes de iniciar o desmame, analisa-se a presença de pré-requisitos – observe os principais parâmetros analisados para tal, resumidos na tabela do livro digital do Estratégia MED de Pneumologia Intensiva.
Parâmetros | Critérios |
---|---|
Consciência | Glasgow ≥ 12 pontos e drive respiratório presente |
Oxigenação | PaO2/FiO2 ≥ 150 – 200 com PEEP ≤ 5 a 8 cmH2O com FiO2 ≤ 40% |
Ventilação | pH > 7,30 e VC ≥ 5 mL/kg, desde que FR ≤ 35 rpm |
Hemodinâmico | Estabilidade hemodinâmica, ausência de arritmia com repercussão |
Metabólico | Ausência de distúrbio hidroeletrolítico ou ácido-base importante |
Usualmente, caso o paciente atenda a todos esses parâmetros, segue-se com um teste de respiração espontânea (TRE), que consiste em permitir que o paciente respire de maneira independente por um breve período enquanto ainda está conectado ao ventilador. Este teste fornece informações valiosas sobre a capacidade do paciente de manter a ventilação sem assistência.
Caso o paciente apresente boa resposta a tal teste, pode-se optar por seguir com o desmame, com a retirada do tubo orotraqueal e o término da ventilação invasiva.
Critérios para o sucesso do desmame
Para considerar o desmame bem-sucedido, alguns critérios objetivos devem ser atendidos. Esses incluem estabilidade nos parâmetros vitais, como frequência cardíaca e pressão arterial, além de níveis adequados de oxigenação e dióxido de carbono no sangue. A capacidade de manter um padrão respiratório eficaz sem sinais de luta ou desconforto é igualmente crucial.
Além disso, abordagens individualizadas no processo de desmame demonstram ser mais efetivas. Isso inclui considerar fatores como idade, comorbidades e tempo de ventilação mecânica. Equipamentos modernos de ventilação oferecem modos de desmame que ajustam automaticamente a assistência com base na atividade respiratória do paciente, facilitando este processo delicado.
Desafios no processo de desmame
O processo de desmame não está isento de desafios. Pacientes que não conseguem passar no TRE ou apresentam falha após a extubação necessitam de uma avaliação mais profunda para identificar as causas subjacentes, que podem variar desde fraqueza muscular respiratória até questões psicológicas. Nestes casos, o suporte multidisciplinar, incluindo fisioterapia respiratória e suporte nutricional, pode ser decisivo para o sucesso do desmame.
Outro aspecto vital é a comunicação eficaz entre a equipe multidisciplinar. A troca de informações sobre a evolução do paciente e ajustes no plano de cuidados é fundamental. Neste contexto, a presença de protocolos de desmame bem estabelecidos, com critérios claros e objetivos, auxilia na tomada de decisões e no sucesso do processo.
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Conclusão
Neste panorama abrangente sobre a ventilação mecânica, deparamo-nos com uma jornada elucidativa desde os princípios básicos até as técnicas avançadas para gerenciamento eficaz em pacientes críticos – destacando-se, de forma especial, a aplicação na conjuntura da COVID-19 e a relevância da posição prona. Ao empregar estratégias meticulosas de desmame ventilatório, evidencia-se a complexidade de uma abordagem cuidadosa e personalizada no tratamento, ressaltando não apenas a importância dos ajustes técnicos da ventilação mecânica, mas também o impacto significativo destes no prognóstico do paciente.
Fica claro, portanto, que a maestria na ventilação mecânica transcende a operação de dispositivos; trata-se de um exercício constante de avaliação, adaptação e antecipação das necessidades individuais de cada paciente, fundamentais na prática moderna da pneumologia e na busca por desfechos clínicos favoráveis.
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